As paredes do quarto vagarosamente se transformam em horizonte: Brancas, sem quinas, sem fim... Numa manhã recém-nascida sob o olhar inebriado de quem acorda, horizonte branco, tela onde se colorem (e se desbotam) pensamentos e devaneios.
Às vezes é o teto que se torna céu, e dança, e pesa, e cai sobre a cabeça. A paixão cria um universo onde tudo é, ou pertence, ou se parece com ele. Ele é o alvo, o sonho, ele chega até a ser ela. Ela em seu melhor momento.
O quarto é universo dele e dela, os olhos estão entregues à mente, a realidade é detalhe. Ela tem restos de maquiagem no rosto, as pernas doloridas, o sono genérico, leve ressaca, cheiro de ontem.
Coração apertado por todos os sentimentos sobre todas as coisas, querendo sua plenitude ao mesmo tempo. Coração trabalhando em regime escravo.
Ela não fuma. Mas às vezes precisa de um cigarro. O chocolate lhe traz alívio e prazer, mas cadê? O quarto ainda está mágico demais pra ser abandonado. Ela busca opções.
De volta à tela, o teto e as paredes sem quina. Ela precisa imaginar algo, alguém. Mas na tela só a imagem dele se colore. É irritante não poder controlar a ilusão. A mente dela é demasiadamente sincera e só pinta aquilo que (realmente, profundamente, independentemente) quer. Ela pousa as mãos sobre os seios, e os aperta como quem quer dizer: "sossegue coração!" mas seu coração e seus seios sugerem: "lembre-se do toque dele, bem aqui, bem assim".
Suspiro profundo, um longo espreguiçar, contagem regressiva, olhos fechados. Ela se levanta. Uma orquestra grudada em seus ouvidos, toca uma linda sinfonia com violinos que estranhamente melodizam o nome dele, o alvo. Ela ignora, busca a realidade, a cruel realidade do domingo que ela não vai viver. Seus olhos hoje estão em viagem. A alma não tem norte. A paixão a imobilizou. É tortura, é delícia, é amor.
Por causa dele, hoje ela só vai pensar. Por falta dele, vai penar.