quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Bom dia



À noite um silêncio seletivo: Só se escuta ao longe o maquinário das usinas, os carros tocando buzinas para as meninas que passam. Grilos e cigarras são tão habituais que já os posso ignorar. Vez em quando ouço o trem passar, ou uma música num bar, num clube próximo, no rádio daquele vizinho sem mãe, sem filhos, sem consideração, sem hora extra por descansar, sem critério para repertório. Filho de uma égua. Bem mais feliz e leve que eu. Eu sou um insone com enxaqueca que bate o cartão às 7:00h.

O imaginário das crianças sobre monstros de colchão, de armário, de chão e o ilustre papão, calam as pequenas bocas, aquietam os fachos altos, seguram os corpinhos vibrantes nas camas bem preparadas. O medo aprisiona as mentes, que anulam os ânimos, que paralisam os corpinhos, que depois de chorar, dormem. Feito anjos. Crueldade.

Uma linda mulher enche a cama. Ela e os lençóis desfeitos, pele e fronhas cheirando a lavanda... Passeio as mãos sobre seus pés, coxas, cabelos... Observo sinuosas curvas convidando a encher a noite de mais e melhores sons. Mas eu sou um insone com enxaqueca. Não posso oferecer a ela nada mais que minhas necessidades. Isto é animalesco. Não é animador.

Na cozinha requento um café. Está ruim. Abro a geladeira e negocio meu precioso sono contra minha ansiedade enquanto oscilo a mão entre a cerveja e o suco de maracujá. Bebo a cerveja.
O sofá é confortável, a noite é, nesta altura, de um silêncio absoluto. Estou bêbado e cansado da minha própria companhia. Ligo o som e convido os Beatles para encher a sala. Depois de tocar o mesmo disco 5 vezes, decido que isto merece mais volume. Depois de dançar e cantar sem compromisso com a pronúncia, decido que isto merece uma melhor performance. E mais volume.

A mulher acorda e reclama, eu ignoro. As crianças choramingam incomodadas, eu ignoro. O vizinho acende as luzes em protesto, eu ignoro. Neste momento eu sou um filho de uma égua bem mais feliz e leve que eles. Tenho mais atenção agora do que tive em toda a semana e, tenho menos de 40 minutos para chegar ao trabalho.  Então só me resta desejar um bom dia, e deixá-los em paz (?)


terça-feira, 21 de maio de 2013

Carnal (blues)

Você disse que viria
A tempo de capturar
O tremor da minha emoção
Eu gosto da brincadeira
A coisa é boa como a vida
Boa e dura

(então vem)

Não vou me maquiar
Quero a luz acesa
Sobre a mesa
Toda nua
É assim que vou ser sua
Mulher é coisa
Que se come crua

Eu me atrevo à vulgaridade
À vaidade de me confessar carnal
Ainda que me joguem pedras
Que me ponham preço
Que me vendam mal

Eu te amo e me inflamo em sua pele
E esse é meu mal
Eu me absolvo de sofrer
E te absorvo todo com a boca
Louca bebo seu prazer

Eu gosto da brincadeira
A coisa é boa como a vida
Boa e dura

Não vou me maquiar
Quero a luz acesa
Sobre a mesa
Toda nua
É assim que vou ser sua
Mulher é coisa
Que se come crua

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Encardida


Te pergunto como vai
Você diz que com as pernas
Diz que não há nada mais
Além daquelas coisas velhas
Eu sorrio amarelo
Com a graça encardida
Seco a bolsa dos seus olhos
Estou de saída

 
 Mas meus passos pesam
Penam como se pensassem
Que o caminho oposto ao seu
É perda de viagem
Então me volto lentamente
Te alcanço num olhar
Você inerte me consente
Pode vir amar

Te pergunto como foi
Você diz que como sempre
Diz que não há nada mais
Bonito do que a gente
Eu sorrio escancarado
Com a coisa umedecida
Seco o gozo dos lencóis
Beijo sem despedida.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Par ou ímpar

Dispense qualquer par
que seja seu
Dispense qualquer par
que seja seio
Meu pé que vai te acompanhar
Seremos um casal ímpar

Devolva qualquer mar
que prometeu
Devore qualquer doce
beijo meu
Meu pão que vai te alimentar
Seremos dois infantes no recreio

Desfaça qualquer fé
de mal-me-quer
Descanse qualquer mão
em meu cabelo
Meu chá que vai te acalmar
Seremos três no mês de fevereiro.